A Beleza da Mãe Natureza: Colorindo o Envelhecimento

Por: Cátia Braga 21 de fevereiro de 2024

O objetivo desse ensaio é demonstrar como as pinturas com pigmentos naturais, podem contribuir com a qualidade de vida do idoso, favorecendo o envelhecimento ativo, fortalecendo o vínculo do longevo com a natureza, mostrando o quanto é prazeroso, criativo e alquímico o preparo e as descobertas da sua própria e exclusiva palheta de cores, extraídas de materiais vegetais e minerais. A pintura é uma forte aliada como ferramenta para promover o desbloqueio criativo de forma positiva e transformadora engajando os idosos em processos de aprendizagem, com benefícios para autoestima por fomentar a autonomia e a reinserção social e cultural através da arte.

Segundo o Estatuto do Idoso Lei 10.741/03, todo indivíduo com idade igual ou superior a 60 anos, contudo, é valido o que nos traz Papaléo Netto (2002 p. 10) que afirma que “(…) não há uma consciência clara de que através de características físicas, psicológicas, sociais, culturais e espirituais possa ser anunciado o início da velhice”.

O Brasil tem apresentado um crescimento agudo na população idosa de 60 anos ou mais. A população idosa atual é de 32.113.490 (15,6%), um aumento de 56,0% em relação a 2010, quando era de 20.590.597 (10,8%) (IBGE, 2022).

Para Debert (1999), há uma tendência contemporânea à revisão dos estereótipos associados à velhice, assim, a noção de perdas e de degenerescência daria lugar à nova concepção de que a velhice pode ser uma etapa que permite prazer, conquistas e realizações de sonhos, ou seja, há perspectiva de planos futuros na construção subjetiva e cronológica desta que antes era apenas a última etapa do ciclo vital.

Le Breton (2011, p. 236) deixa claro que o sentimento da velhice é uma mistura de “consciência de si”, no qual podemos afirmar que o corpo muda, decai, adoece e uma “apreciação social e cultural”, de acordo com o olhar do outro.

Ao envelhecer somos levados a enfrentar todas essas perdas significativas, como o “surgimento ou agravamento de doenças crônicas que comprometem a saúde […]. No entanto, a repercussão dessas perdas no indivíduo dependerá de seus fatores pessoais, sociais e iniciativas de enfrentamento” (Silva  et al., 2007, p. 98).

Desafios do envelhecimento e consequências à saúde

O indivíduo pode vir a ter um processo de envelhecimento normal (senescência), que proporciona aos indivíduos conviverem de forma harmoniosa, com as limitações impostas pela idade ou pode ser que esse período da sua vida seja marcado por condições que prejudicam sua funcionalidade nas suas atividades da vida diária (senilidade), ou seja, o envelhecimento se dá de forma atipico ou patológica, causando um efeito negativo das doenças, em sua maioria uma incapacidade progressiva a sua vida.    

Existe um alto índice de idosos com demência, é estimado em 35,6 milhões, sendo esperado em 2030 um total de 65,7 milhões e com problemas de saúde comprometedores da qualidade de vida dos longevos. A depressão, estresse, doenças degenerativas, isolamento social, problemas relacionados com sono, perda de processamento visual e auditivo, comprometimentos cognitivos e uma infinita gama de tristezas na alma e no corpo e na alma.

O envelhecimento da população é um dos maiores triunfos da humanidade e também um dos nossos grandes desafios. Ao entrarmos no século XXI, o envelhecimento global causará um aumento das demandas sociais e econômicas em todo o mundo. No entanto, as pessoas da 3ª Idade são, geralmente, ignoradas como recurso quando, na verdade, constituem recurso importante para a estrutura das nossas sociedades (World Health Organization, 2005).  

Arte e envelhecimento ativo

A palavra “arte” tem origem latina e significa técnica, habilidade natural ou adquirida, maneira de ser ou de agir. O termo ainda pode ser definido pelo Dicionário Houaiss como a “produção consciente de obras, formas ou objetos, voltada para a concretização de um ideal de beleza e harmonia ou para a expressão da subjetividade humana”.

Ribon (1991, p. 43), em A arte e a natureza defende que a cultura artística é o viés que permite ao ser humano apreender a riqueza da beleza natural: “o homem já não se sente um estranho em relação à natureza; a arte manifesta que a natureza se reconhece no homem, e o homem, na arte em que a natureza é, o que o homem tem mais perto de si”.

A arte, assim, longe de ser uma imitação da natureza, é uma possível iniciação à sua percepção de natureza. Sem a mediação da arte, suas sensações lhe dão um confuso conjunto de forma que ganham sentido apenas na medida em que as relaciona às suas necessidades práticas. Essa condição é, afinal, o que vem permeando o histórico da relação do ser humano com a natureza na visão cartesiana e materialista do mundo, que ainda impera nos discursos de educadores e em suas práticas

De acordo, com a Organização Mundial de Saúde (OMS) o envelhecimento ativo foi definido como: “o processo de otimização das oportunidades de saúde, participação e segurança, com o objetivo de melhorar a qualidade de vida à medida que as pessoas ficam mais velhas” (World Health Organization, 2005, p 13).  

“As pessoas longevas são como imagens num mostruário, transportando a vida biológica para a imaginação, para arte. Os longevos se tornam representações notavelmente memoráveis, personagens no teatro da civilização, cada um deles uma figura de valor única e insubstituível” (Hilmman, 2000, p. 23).

As tintas e suas possibilidades afetivas no envelhecimento ativo

“O homem pré-histórico usava pigmentos da terra e de outros substratos para fazer registros nas paredes das cavernas – utilizou substratos como: terra amarela (ocre), terra vermelha (ocre), giz branco, sangue e carvão”.

Bermond, 2021

“O grafismo indígena feito com as tintas da natureza faz parte da cultura dos povos. As pinturas corporais, os artefatos e vestuários se aplicam a diversas ocasiões. Sempre com muito significado em rituais, celebrações das etnias etc… São cores sagradas que vão além da estética”.

Bermond, 2021

Segundo Carrano e Requião, 2022, a liberdade de criar, a expansão das fronteiras pessoais, as novas experiências plásticas e o contato com a sua fluidez em um espaço para o novo.

A fluidez das aguadas de tintas permite que imagens carregadas de conteúdos afetivos brotem das misturas das cores, criando formas e expressando emoções.            

Carrano; Requião, 2022

Para Philippini 2018, a pintura proporciona intensa mobilização emocional pela experimentação com a cor e também pelos eventos de natureza física, que propicia, pois, a cor como fenômeno físico apresentada ativos correlatos fisiológicos, uma vez que as cores quentes são acidificantes e aceleram o metabolismo e as cores frias são alcalizadoras e tendem a tornar o metabolismo mais lento. A cromologia (ciência que estuda os aspectos gerais da fenomenologia das cores) e a cromoterapia (estudo dos efeitos terapêuticos das cores) podem ajudar aos arteterapeutas a obterem resultados mais efetivos através da pintura.

Um dos mais significativos aprendizados a fazer com a pintura: deixar que a fluidez aconteça, deixa sair, escorrer, extravasar, transbordar, abrir mão do controle, não tentar controlar a forma e deixar se levar pelo prazer da descoberta que vem insinuada por cada tom, cada mancha.

Philippini, 2018

A pintura nos permite um mergulhar num universo das experimentações com a cor suas texturas, sombras e luzes possíveis no ato de pintar. Através desta linguagem plástica, podemos ajudar aos idosos a atingir o estado de fluxo criativo. A hipótese de Jung é que o alquimista projetava sobre os materiais manipulados acontecimentos em curso no seu inconsciente. Essas projeções se figuravam ao alquimista as propriedades da matéria, mas de fato, no seu laboratório, o que ele experienciava era o próprio inconsciente.

Silveira, 2006, p. 122

Estudo de Caso

Os encontros aconteceram em formato de oficinas criativas, foram quatro encontros no mês de novembro de 2023, com duração de duas horas. O grupo vivenciou trabalhos plásticos utilizando as tintas naturais em composição aquareláveis e texturas com pigmentos minerais. Trabalhou-se com a pintura de livre expressão. Nas oficinas, utilizou-se papéis com gramatura própria para aquarela, folhas de livro velho e cartolinas. Os cheiros, as cores, as texturas foram objetos de observação, ativando os sentidos, lembranças positivas e desbloqueando a criatividade.

O grupo foi formado por cinco mulheres e um homem, moradores da cidade de São Gonçalo-RJ, com faixa etária entre 50 e 87 anos, os encontros aconteceram na residência de uma das participantes.

A autora realizou o laboratório com os materiais orgânicos, que foram objeto de estudo dos cursos Poética do Habitar e Eco Arteterapia, dos quais surgiu o interesse em desenvolver esse projeto com os longevos, podendo passar por conhecimento para que seja utilizado por eles em suas casas e, dessa forma, evitariam o gasto com tintas, já que a maioria dos elementos usados, são da sua própria cozinha e/ou encontrados na natureza.

As oficinas tiveram duas horas de duração. Em cada uma foram apresentados os materiais que faziam parte da composição das tintas, tais como condimentos, folhas, sementes, troncos, flores, raízes, cascas e diversas tonalidades de terras, extraídas da cidade de Tiradentes-MG. Antes das atividades plásticas foram feitos relaxamentos com meditação guiada, para que houvesse a conexão de todos com a natureza.

Foram apresentados aos participantes os materiais orgânicos, sentiram os cheiros, observaram as texturas, cores, e a partir desse contato, entenderam como é afetuoso pintar com tintas naturais, sem nenhum elemento tóxico.  

Na primeira oficina de pinturas com tintas naturais houve a apresentação de cada participante do grupo, um relaxamento, explicação do meu projeto, a importância de termos um convívio social para colaboração positivamente com o envelhecimento ativo e com qualidade de vida saudável, com a reconexão com a terra, água e os elementos da natureza, buscando um equilíbrio físico e emocional.

Atividade proposta: pintura livre com as aquarelas e desenho cego, ao final das atividades um compartilhamento (imagem 1).

A proposta desenvolvida na segunda oficina foi que cada participante adivinhasse, estando com os olhos vendados, qual eram os nomes das ervas e dos condimentos? Foram usados óleos essenciais para aguçar a memória olfativa dos longevos. O objetivo dessa atividade foi ativar memórias positivas e as boas recordações através dos cheiros. Utilizou-se cenouras e beterrabas como carimbos e sal grosso e fino para texturas das pinturas. No compartilhamento o Ar – (nome criado para um participante) relatou: “Como é interessante fazer arte com produtos que comemos”; Era – “Não vou conseguir! Estou muito tremula, fiz quimioterapia no dia anterior”. Ilha – “Eu não levo jeito para arte”.

No terceiro encontro da  oficina criativa trabalhou-se com tintas minerais, nesse momento, o objetivo era ativar o contato com a terra, sentindo e observando as texturas e comparando a diferença das tintas aquareláveis. A atividade foi desenvolvida com várias terras de pigmentos diversos, texturas diferentes e foram trazidas de Tiradentes, em Minas Gerais.

Proposta: cada participante do grupo criar sua própria árvore da vida e uma árvore de natal. Utilizou-se como suporte páginas de livros usados (imagem 2). Na oficina, cantaram cantigas de infância e relembraram fatos marcantes de suas vidas.

Compartilhamento: Ilha desenhou com habilidade a sua árvore da vida e se emocionou relembrando a sua mãe que já não vive mais aqui nessa terra. Ar estava mais disposta e falando que já estava ficando carequinha, fez atividade proposta e admirou as suas árvores.

No quarto e último encontro criativo a proposta sugerida foi a criação de um livro de pinturas e memórias. Cada participante observou suas obras das três oficinas anteriores, conversou-se sobre o que os mobilizou e como eles estavam se sentindo depois do contato com os materiais naturais e orgânicos, utilizados para as pinturas. Nesse momento, com um olhar menos críticos de si mesmo tiveram oportunidade e reconheceram como são capazes de criar, pintar e de fazer novos amigos.

A confecção do livro foi um fechamento de união para o grupo, pois o participante Vento, sentiu um pouco de dificuldade para passar a linha na agulha e logo foi amparada pelo Ar. A costura dos livros fez o papel simbólico da rede de apoio. A Árvore se sentiu tão à vontade que relatou que havia tido câncer na garganta, sofreu um AVC e já fez mais de treze cirurgias. Levou suco produzido e colhido na sua horta.

Finalizou-se com um lanche coletivo e com as trocas de número de telefones.

Conclusão

A partir deste estudo exploratório foi possível observar que a modalidade expressiva pintura com tintas naturais e orgânicas trouxeram benefícios terapêuticos e contribuições efetivas para o grupo de pessoas longevas.

Além do acesso às memórias positivas e a conexão com a natureza, houveram mudanças no comportamento dos longevos, de forma criativa, melhoras no estado emocional e ampliação das interações sociais.

Foi relatado pelos participantes o bem estar que foi proporcionado pelas vivências das oficinas, trazendo para a presente autora um retorno positivo do seu projeto. Por fim, foi possível perceber a importância de atividades com este cunho terapêutico em grupos de pessoas longevas.

Publicado em: 21 de fevereiro de 2024 por
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